terça-feira, 17 de dezembro de 2019

AVÔ

Ainda hoje me pergunto porque partiste assim. Sem te despedires de mim, sabendo tu o quanto eu gostava de ti. Sem me dares um último beijo, sem me dares um último abraço, sem contares uma piada para me deixares a rir, em vez de chorar. Hoje passaram 13 anos e eu ainda não fui capaz de te perdoar por não o teres feito. Desde pequena que estava habituada a ir contigo a todos os lugares. Cresci ali, ao pé de ti mas decidiste sair da minha fotografia. Isto é um teste? Queres compreender se me ensinaste bem? Se sim, garanto-te que conseguiste. Já podes voltar.
Recordo-me como se fosse ontem, todas as vezes que me visitavas me davas uma nota, eu dizia que as ia guardar todas e que um dia íamos viajar pelo mundo. Como verdadeira gulosa que sou, acabei por gastá-las com gomas e chocolates; mas hoje tenho dinheiro suficiente para irmos pelo mundo fora e onde estás tu? O riso que soltavas quando falava nessa viagem, como eu imaginava que era tudo fora e distante, agora que penso, lembro-me como é bom ser criança e conseguir sonhar e acreditar. A vida, sem ti, tornou-me cinzenta. Fez-me descreditar.
Lembro-me quando eras o único que me deixava comer o frango com a mão, mesmo que a mãe não concordasse com isso, acabavas sempre por lhe dar a volta. Hoje, como tudo com talheres, na esperança que apareças e me digas "Come como te dá mais vontade, como te dá mais prazer.". Tenho em mim tão presente quando me deixavas estar perto de ti enquanto trabalhavas, mesmo que passasse maior parte do tempo a distrair-te com as minhas coisas, o teu tempo era todo meu, estivesses ocupado, ou não. As melhores memórias que tenho e as onde mais aprendi, foram todas contigo.
Não é por teres partido que o sentimento diminuará e não é por isso que deixarás de ser o amor da minha vida. Compreendo que devemos dar tudo, não suprimir nada, garantir e demonstrar que gostamos das pessoas enquanto elas estão perto para quando e se já não estiverem, terem a certeza que foram amadas. Temos de manter que se não o fizermos, quando elas já não cá estiverem não nos vai adiantar chorar, porque o choro só mostra a derrota de alguém que não demonstrou o suficiente e nós temos sempre tempo, mesmo quando estamos ocupados a trabalhar, como tu.
Eu posso sorrir todos os dias mas acredita, não é por isso que eu me esqueço de ti, não é por isso que me esqueço que estás comigo mas apesar dessas certezas, sinto claramente a tua distância e isso ainda me magoa tanto. Quando tocam neste assunto, por mais leve que seja a conversa os meus olhos ainda se enchem de lágrimas. Lágrimas essas que não consigo, nem quero conter mas que me esforço para que não saiam porque não quero que achem que seja tristeza, porque já não é; é apenas saudade de um amor incondicional que perdi sem pedir.
Lembras-te quando era pequena e adorava anjos? Não fosse eu ter esse nome; mas eram a minha perdição. Deste-me um enorme e cor-de-rosa, bem como gritava que queria. Hoje tenho-o na minha cabeceira, perto de mim para garantir que olho para ele quando me deito e levanto para me lembrar que devo ser um pedaço de ti. Uma guerreira como tu, sensata como tu, ponderada como tu, ambiciosa como tu, resiliente como tu, focada como tu, inovadora como tu, forte como tu, apaixonada como tu, feliz como tu. Mas a única coisa que eu consigo é ser triste como eu.
Hoje não te consigo olhar nos olhos e agradecer-te por tudo e isso dói tanto. É terrível ir a Tomar e não estares lá. Está tudo tão estranho, está tudo tão diferente, está tudo tão vazio, está tudo tão frio. O natal está à porta e eu estou apavorada, lembro-me de todos os nossos natais e de como sorrias para mim. Como eras tão quente nesta altura do ano. Como sabia tão bem ter-me perto. Passou mais um ano, mais virão e eu sem saber lidar com a tua ausência no natal. A saudade é enorme, é gigante. Sei que nessa noite vais estar perto de nós; a tocar-me no coração para que eu entre em 2020 um pouco mais meiga, um pouco mais mole, um pouco mais amada mas sem ti, é impossível.
Acredito que todos temos um anjo da guarda e tu foste forçado a ser o meu, mas preferia tanto não ter um e ter-te comigo. Vida injusta. Mas; uma vez que tenho de aceitar esta nossa relação à distância, eu na terra e tu no céu, o meu único pedido é que me aconselhes como sempre, guia-me como sempre, acaricia-me como sempre. Imploro que olhes por mim e que me segures quando for cair, como sempre fizeste, para dobrar mas nunca partir como sempre me ensinaste.
Acredito que um dia nos iremos reencontrar, num sítio onde os dois nos possamos ver e não só tu a mim. Terei tanta coisa para partilhar contigo, terei tanto amor para cobrar de ti, teremos todo o tempo do mundo. Espero que, onde quer que estejas, que sejas extremamente orgulhoso da pessoa que sou e que serei, dos erros que cometi e cometerei, daquilo que alcancei e que alcançarei, porque tudo o que faço é para me igualar a ti e para ti. Para que nunca duvides do amor que tenho por ti.
Mando daqui, para onde estás, um beijo enorme desta tua neta de coração despedaçado mas de coração cheio por saber que teve a oportunidade de ter um avô como tu. 

Sempre tua,

O vento vai e volta, só tu é que foste e não voltaste mais.

Sempre permiti as tuas chegadas e idas. As tuas paragens e recomeços na esperança que fosse a última vez. Como pude eu não ver que não ia haver uma última vez? Como pude eu não perceber que sempre te dei tanta liberdade que um dia decidiste voar para longe de vez. Sempre fui a favor de não aprisionar as pessoas, de as deixar livres. Livres de decisões, livres de sentimentos, livres de si mesmas. Sempre fui capaz de separar tudo e ser tolerante mas e tu, será que algum dia foste realmente tolerante comigo? Porque no único momento que quis partir como tu, deixaste-me. Provavelmente também achavas o mesmo que eu, deixar as pessoas livres como são. Sempre achei que apesar de tudo, irias perder tempo para resolver os teus porquês. Porque mais que eu sempre foste a favor de resolver as dúvidas e deixar tudo bem esclarecido. O vento vai e volta e só tu é que não voltaste mais. Dias a fio, acordada, sonhei a tua partida, sonhei. Sonhava ou tentava que tudo isto fosse um sonho. Uma prova. Um teste. Talvez com medo que realmente fosses e não voltasses mais mas tu foste, e não voltaste mais. Será que era mau de mais pedir-te que tivesses um bocadinho mais de compreensão? Não das minhas loucuras, não do meu mau feitio. Mas compreensão para eu assimilar toda a informação que me foi dada como uma chapada de mão gelada. Aquele suor frio que caiu sobre mim. Aquela dor no peito que só senti uma vez. Depois da morte do meu avô a única coisa que me poderia mandar a baixo de novo seria a tua morte. Pensava eu. Pois nunca imaginei, até então, que pior que uma morte, é uma ausência. Tu sabes que a pessoa existe, mas não tens contacto com ela, não a vês, não a sentes, não a cheiras. Essa pessoa não te pode abraçar, não te pode segurar no colo, nem tão pouco olhar-te nos olhos mas tu sabes que ela existe. Tantas questões que pairavam na minha cabeça, tantas questões que sempre quis libertar de mim para me libertar de ti e apenas uma sobrou. Será que o teu coração ainda bate forte como quando estavas na minha presença?